sexta-feira, 11 de maio de 2012

[carta #002]

Para um amigo.

Desculpe pelas coisas que lhe disse, e pela forma como lhe falei. Você não faz ideia de como é difícil ser o que sou, e suportar esses dias em que nada é como costuma ser. Mas você não tem culpa disso, e não pode adivinhar quando está chovendo; por isso, peço desculpas, e entenderei se não as aceitar - mesmo sabendo que eu as aceitaria de você.
As vezes esqueço que sua vida não mais me pertence, como foi há muitos séculos, e que não sou mais senhora de sua alma; não tenho mais o direito de controlar seus passos, e talvez jamais tenha realmente tido - mas me deixe acreditar que, quando eram outros os nomes, você foi meu escravo tantas vezes quanto fui sua serva. Hoje, quando você me disse que subiria montanhas que eu considerava indgnas de sua caminhada, eu tentei lhe ordenar que não o fizesse; e quando me disse que transporia rios em barcos que não lhe pertenciam, eu o mandei se envergonhar de sua falta de orgulho. Mas quem sou eu para dizer quais caminhos lhe são dignos e em quais mãos não se deve entregar? Se tantas vezes desci por caminhos indignos para te ter em meus braços. Se em tantos barcos estrangeiros embarquei. Me perdoe, amigo, por esperar que você fizesse o que não fiz, e que tivesse as honras que recusei; meu defeito é esperar de vocẽ nada menos do que a perfeição. Sei que não é justo colocar sobre você esse peso.
Devo confessar que sua felicidade as vezes me entristece, e não me orgulho disso. Quando você diz que carruagens lhe levarão para ver o pôr do sol, dentro de mim surge o desejo de que o sol não se ponha para que você não possa vê-lo, ou que a carruagem se desintegre antes que você possa alcança-la, e que você jamais se afaste de mim. Sei o quanto isso é terrível - esses desejos incontidos, esse egoísmo incontrolável - mas se não posso me impedir de sentir, devia pelo menos te impedir de perceber. Devia me mostrar feliz pela sua felicidade, mesmo que sua felicidade fosse a minha morte. Mas em alguns dias isso é difícil, e dessa vez, com a chuva, foi impossível. Sei que seu desejo jamais foi me machucar, mas eu chorei, meu querido, e chorei lágrimas de sangue; sinto muito por ter lhe deixado ver a cor de uma dor estrangeira. Você talvez pense que ainda o desejo como servo, como foi nas últimas vezes; mas a verdade é que o quero apenas como igual. Talvez seja impossível, pois se um de nós tiver o poder, o outro será escravo; e esse poder jamais será compartilhado. Mas quero acreditar que, ao fingir ser possível, tornaremos possível.
A verdade é que sua felicidade é a minha, mesmo que seja a minha dor. Tudo o que quero é continuar sempre ao seu lado, poder ver seu sorriso como tem sido nos dias de sol, poder nos aquecer quando a chuva cair sobre nós. Me entristece ver que em breve tudo será diferente, que entre nós haverá um muro, que seus guardiões nos manterão afastados e farão a neve cair naqueles que seriam os dias mais bonitos da primavera. Mas se é isso que deseja, se isso é o que lhe fará feliz, então aceitarei e tentarei não demonstrar o que sinto. Mas, se um dia quiser saber o que sinto, lhe direi que sofro, sim; porque te amo, porque sua presença me faz feliz e se ela me for negada me sentirei em um limbo, sozinha.
Eu não lhe julgo, não lhe condeno, e lhe apoiarei em qualquer decisão que você tomar; sua felicidade é a minha. Quando seus olhos brilham, quando você sorri, me sinto como no momento em que nasci. Não tenho como pôr em palavras o que eu sinto por ouvir sua voz suave, por saber que está sentindo o mesmo que eu, por ver em seu rosto a confirmação de meus pensamentos. Não deixe que nada fique entre nós, por favor. Viemos um do outro, um ao outro retornaremos; se três vezes você for meu filho, três vezes será meu pai. Aquilo que você disse é lei, e só desejo que tudo dê certo, para nós dois.
Saiba que desejo, de todo o meu coração, que sua felicidade e a minha permaneçam juntas; que o conforto de seu castelo não o impeça de andar comigo pelos campos, e que minha presença seja tão desejada por você quanto a sua é por mim. Porque você e eu somos os mesmos, e as coisas serão como foram desde o início dos tempos.

Com muito amor, daquela que nasceu para lhe guardar.