quinta-feira, 29 de março de 2012

[carta #001] Apenas Mais Uma de Amor

Para quem eu amo:
Você nunca vai ler essa carta, e mesmo que a leia, não vai saber que ela é destinada a você. Mesmo que venha a descobrir ou, mais possivelmente, deduzir, jamais acreditará no que está escrito aqui. Mesmo sabendo disso, pressupondo que exista a possibilidade de você não só ler essa carta, como saber que ela se destina a você e acreditar no que está escrito, ainda existe uma grande chance, uma enorme chance, de para você tudo o que eu digo aqui não significar coisa alguma. Provavelmente, e sempre lembrando que estamos pressupondo que você vá ler essa carta, saber que ela se destina a você e acreditar no que está escrito, você pensará que é tudo uma grande bobagem, que você nada pode fazer por mim, que você não tem nenhuma culpa por eu estar apaixonada por vocẽ e que o melhor é deixar as coisas como estão para não me dar esperanças nem me magoar. Mas eu vou escrevê-la mesmo assim, por apenas dois motivos: você já me dá esperanças, meu anjo, pelo simples fato de existir, e mesmo que você morra hoje eu terei a esperança de te reencontrar em outras vidas; e você já me magoa, também pelo simples fato de existir. A cada vez que você respira, é uma esperança que me dá e uma mágoa que me traz; e se quer culpar alguma coisa por isso, culpe o momento em que viemos ao mundo e eu soube da sua existência - embora acredite que essa nossa história já existia, em outros nomes e formatos, muito antes de nascermos, e continuará a existir muito depois da nossa morte. Culpe então o seu Deus, por tudo ter criado e desejado - meu garotinho que quer crer, minha criança que se agarra a ideia de um ser supremo para fugir do vazio absoluto; não sabe você que o vazio existe, com Deus ou não, pois Ele não vai vir ao seu encontro nem te carregar no colo. Para isso eu fui enviada a você.
Eu gostaria que você pudesse saber o quanto eu te amo. Obviamente sei que você faz uma boa ideia de parte dos meus sentimentos, mas você nem imagina o quão pequena é essa parte que você conhece se comparada ao todo. Por outro lado, saber que alguém possui determinado sentimento em relação à nossa pessoa não é, por si só, fato que nos afete, uma vez que dizer "eu te amo" não significa nada. Eu tento confirmar com atos o que afirmo com palavras - ao contrário de você, e este é outro ponto que gostaria de tratar aqui: o quanto você parece incapaz de perceber que dizer "eu te amo", ou recitar em mil línguas todas as declarações possíveis de amor, não significa nada. Suas palavras não significam nada para mim, se você não faz nada para confirmar o que você me diz. Por outro lado, se você não me ama, não tenha medo de me deixar saber isso; meu amor é dos mais simples, daqueles que não espera nada em troca, nem mesmo a reciprocidade; que já se acostumou tanto com o sofrimento, que até a menor dose de realização causaria surpresa. Tudo o que lhe peço é que não diga que ama se você não ama, não diga que odeia se vocẽ não odeia. Se me fosse concedido um pedido, qualquer um e apenas um, pediria a sua sinceridade.
Por muitas vezes tive a sensação de que algo em mim te assustava. Você tem medo de mim, meu amor? Quem teme outro teme a si mesmo; terei eu dentro de mim algo que desperta o medo dentro de você? Ou você verá em mim algo que vive em você, e que você não deseja? Seja o que for, de tudo o que me culpa, eu sou culpada, mas não espere que eu peça perdão pelos meus pecados ou pague por meus crimes; porque quando eu for julgada você será quem receberá a sentença, como juíz e réu, como guardião de si mesmo, pois somos um só e compartilhamos pedaços da mesma alma. Matar a mim seria matar a você, e é por isso, só por isso, que você não me empurrou quando eu estava à beira do precípicio, tão disposta a cair.
Eu me pergunto se você se lembra daquilo que é importante. Me pergunto se o que é importante para mim também é para você.
Por muitas vezes, eu quis esquecer. Eu quis fingir que as coisas que aconteceram nunca aconteceram, que nunca tive momentos felizes ao seu lado, porque ver você negando, ou agindo como se nada daquilo significasse coisa alguma, é uma das coisas que dói mais. Mas é uma dor conhecida, que chega sem aviso porque já somos velhas amigas, que se instala e fica latejando no peito, como uma ferida aberta que já não sentimos, como andar por um longo tempo debaixo da chuva e já não se incomodar com a água. Essa dor, amigo, está a tanto tempo dentro de mim, que não tê-la seria como não ter uma parte de mim mesma.
Mas você sempre consegue me fazer sentir dores novas. Por vezes me surpreendo com sua capacidade de me machucar, e mais ainda com sua capacidade de fazer isso e não perceber o que fez. Se eu te machucasse, morreria com você; você me machuca e continua como antes, ser inexistente que parece nada sentir.
Eu lhe peço que nunca mais duvide de mim. E talvez você diga que nunca duvidou, mas se não vai parar de mentir para mim - porque isso não tenho o direito de exigir - pelo menos lhe peço que não minta para si mesmo. Você duvidou de mim. Duvidou do que eu sentia, não só em relação a você, como em relação àquilo que é importante para nós. Você não tem o direito de duvidar. Se eu lhe disser que amo, é porque amo; e se disser que odeio, é porque odeio. Posso inventar flores no jardim para que seu dia se alegre, mas jamais inventaria dias de inverno para que se entristeça; por isso, quando eu lhe disser que em meu jardim nevou e nenhuma flor nasceu, você tem a obrigação de acreditar, mesmo que não tenha visto a neve cair e ao seu redor o sol brilhe, mesmo que eu tenha lhe entregado flores e dito que as tirei do meu jardim; porque eu posso criar alegria, mas jamais inventar tristeza.
Cada palavra que eu lhe digo é uma tentativa de recriar o mundo e deixá-lo mais belo para você. Por isso não me diga palavras que machucam, nem diga coisas para mim sem pensar. Antes que cada palavra saia de sua boca, tente faze-la permanecer em você por algum tempo, imaginando o que eu sentirei quando você as disser; e, se eu for tão importante para você quanto você não se cansa de dizer, então não diga nenhuma palavra que vá me fazer escrever outras cartas como essa, porque nunca mais guardarei nenhuma delas, e se eu sofrer, farei você sofrer também; porque não tenho o direito de sofrer sozinha por você.
Uma vez o céu mudou de cor por nós, só para nós, em um dia que nunca existiu. Você se lembra? Terá você achado tão bonito quanto eu? Porque as vezes eu acho que sim, mesmo você dizendo que não. Você gostaria que o céu mudasse de cor novamente? Para isso, é preciso que você me ajude - mesmo que eu pudesse, eu não mudaria a cor do céu sozinha.
Você não sabe, mas por sua causa hoje eu sou melhor do que sou ontem, e amanhã poderei ser melhor do que hoje. Mas muito me entristece saber que eu nada trouxe de melhor para você e não te ensinei nada. As lições que te ensinei, você esqueceu; não todas, mas as mais importantes.
Uma vez eu viajei para um planeta distante e lá fiquei por muitos milênios; mas as estrelas vieram para a Terra, e com elas retornei para você. Fui nessa viagem porque não queria mais sofrer, e em outros planetas, aprendi a ser forte e a lutar. Você nunca soube que foi por você que parti, mas não foi por vocẽ que voltei: foi pelas estrelas. Se por algum motivo, em algum momento desde então, eu fiz você sorrir, agradeça a elas; e não seria nada que sou hoje se não tivesse feito essa viagem. Muitas coisas haviam acontecido então, e essas coisas estarão sempre comigo não importa quantos planetas eu visite; mas são coisas antigas demais para serem ditas, naufrágios em águas profundas, é melhor que os deixemos onde estão e tentemos apenas não enfrentar as mesmas tempestades.
Existe uma coisa que acho muito engraçada: o quanto nós dois fazemos questão de dizer um para o outro que o céu não está tão azul nem o dia tão bonito, ou que eu não te amo tanto assim. Somos dois idiotas - se me perdoa uma palavra completamente destoante do tom usado no resto dessa carta. Somos dois idiotas. Porque se o dia está lindo não existe mal nenhum em dizer isso, e se não está, nenhum bem faz ficar reparando em cada nuvem cinza no céu. E um céu azul não deixa de ser bonito porque já existiram céus mais azuis, assim como amar uma pessoa mais do que a outra não faz um amor ser menos válido do que o outro. Não estou em uma disputa para ser aquela que você mais ama, nem a sua melhor amiga, nem a sua melhor amante; e apenas uma pessoa muito tola tentaria classificar um sentimento. Você não é, na maioria das vezes, a pessoa que eu mais desejo; eu não digo para os meus olhos que eles seriam mais belos se fossem azuis, nem para os dias chuvosos que seria melhor se fizesse sol. O fato de eu te querer, o fato de eu te amar, não te torna especial: aceite isso e entenda que não existe nenhum sentimento que pertence exclusivamente a uma pessoa. Não espere dos outros aquilo que não esperaria de si mesmo.
Aproveite cada dia, seja ele chuvoso ou ensolarado; e o aproveite com quem quer que esteja ao seu lado, sem pensar naqueles que não puderam estar ali.
Por fim, gostaria que você soubesse que te amo, mas que dificilmente usarei essa palavra: não significa nada, assim como quem a usa nada quer dizer. E se um dia você me disser isso, eu não acreditarei; se quiser me convencer de um sentimento, então faça algo que o demonstre. Não gaste seu tempo com palavras, porque elas nada significam.
Estarei com você para sempre, mesmo quando não estiver ao seu lado.