quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

[conto #026] A Revolta das Sacolas

A REVOLTA DAS SACOLAS

Um dia, em uma cidade muito distante daqui, aconteceu uma grande revolução. Tudo começou assim:
Todos os supermercados da cidade decidiram cobrar pelas sacolinhas de plástico que os clientes usavam para levar as compras. Porque lá era assim: em todos os lugares, as pessoas faziam compras e as lojas davam sacolinhas para elas levarem as compras embora. Claro que as sacolinhas não eram realmente dadas, pois o preço delas - um ou dois centavos - estava incluído nos custos de cada produto comprado. Mas as pessoas fingiam não saber disso, e ficavam felizes quando pegavam um monte de sacolas nas lojas e levavam para casa.
Mas os donos dos supermercados fizeram uma reunião secreta e decidiram não dar mais sacolas. Ninguém sabe direito porquê, pois a reunião foi, como eu disse, secreta. Eles usaram lindos argumentos sobre proteção ao meio ambiente e fim da poluição, mas é óbvio que nenhum deles dava a mínima importância para isso. O que importa nessa historia toda foi que eles decidiram não dar mais sacolinhas. Se alguém quisesse uma sacola, teria que levar o novo-super-politicamente-correto modelo de sacolinha que não poluía o meio ambiente, ou seja, uma sacola que você poderia jogar em qualquer esgoto sem problemas - o que também era, obviamente, mentira. E para levar a tal sacola, você teria que pagar.
Quando as pessoas chegaram aos supermercados e fizeram suas compras de sempre e descobriram, já no caixa, que não teriam sacolinhas de graça, foi uma comoção geral. Algumas saíram com os produtos na mão. Outras pegaram caixas de papelão e colocaram tudo dentro. Outras foram em qualquer outra loja, pegaram um monte de sacolinhas e levaram para o supermercado. E outras, entre lágrimas de ódio e resignação, pagaram pelas sacolas.
Conforme os dias foram passando, a comoção foi crescendo. Qualquer um podia sentir que alguma coisa grande estava surgindo do inconsciente coletivo daquela cidade. Eram mais pessoas reclamando nos caixas. Mais e mais, as filas demoravam. Mais pessoas pegavam enormes sacos de lixo e usavam para levar suas compras, como uma forma de protesto. Uma fúria muda brotava do interior mais negro de cada cliente. Algo estava para acontecer.
E aconteceu. Ninguém sabe exatamente como começou, assim como não se sabe como nenhuma grande revolta popular começa. Alguns dizem que foi quando uma caixa de papelão rasgou e deixou cair quilos de compras de uma velha senhora. Outros dizem que foi quando um cliente, revoltado, pegou todas as sacolas ecologicamente corretas e tentou fazer a mulher do caixa as engolir. E outros ainda contam que foi quando alguém no meio da fila, depois de esperar aproximadamente duas horas, deu um grito enlouquecido e pulou sobre o caixa, dando murros no peito e tentando arrancar o computador com os dentes.
O que realmente se sabe é que a revolta explodiu. Dizem que todas as pessoas, instantaneamente, tiveram a mesma ideia, uma iluminação, um esclarecimento: a situação havia se tornado intolerável. Elas deviam escolher entre agir pacífica e civilizadamente, ou fazer o que precisava ser feito. Elas escolheram a segunda opção.
Foi um caos. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas tomaram as ruas e seguiram enfurecidas para os supermercados mais próximos. Lá chegando, elas tomavam os caixas, pegavam todas as sacolas ecologicamente corretas e começavam a jogar para todos os lados. Algumas pessoas pulavam enlouquecidas. Dizem que um ou outro se empolgou tanto que saiu voando pelo supermercado, mas isso não pôde ser confirmado. Centenas de pessoas saíram às ruas com toneladas de sacolas ecologicamente corretas e as jogaram no rio, nos esgotos, nos bueiros. Muitos donos de supermercados foram capturados e sufocados ou enforcados com suas próprias sacolas. O auge foi quando uma montanha de sacolas ecologicamente corretas foi colocada no meio do maior supermercado da cidade e uma grande fogueira foi acesa. Ao redor, as pessoas viram o supermercado queimar por inteiro, e logo outras fogueiras foram acesas, até que todos os supermercados queimassem com suas sacolas.
A cidade ficou iluminada por dias.
Mas de longe nada se podia ver, além da fumaça preta das sacolas.
Hoje, na cidade, não existem mais supermercados. Sobre as ruínas dos que antes existiam, nada foi construído e nenhuma planta cresce. Algumas sacolas ecologicamente corretas ainda hoje flutuam pelos escombros, como fantasmas.
Isso foi muito longe daqui.
É claro que, aqui, algo assim jamais aconteceria.

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