terça-feira, 25 de janeiro de 2011

[conto #025] Azul

AZUL

Ela estava andando pela calçada - sem rumo, apenas andando - quando um pássaro passou sobre sua cabeça e roubou seu chapéu, indo pousar no alto do poste, do outro lado da rua. A princípio surpresa, mas logo tomada de raiva - era seu melhor chapéu - ela atravessou a rua e se pôs a subir no poste. Após alguns minutos de tentativas frustradas, ela afinal alcançou o topo, onde estava não mais o pássaro, mas apenas seu chapéu.
Irritada por não ter pego o pássaro, mas feliz por ter recuperado o chapéu, ela o colocou sobre a cabeça e sentou-se no alto da poste, olhando para baixo. O que viu, porém, não foi a rua de onde acabara de vir: estava sobre um imenso mar, sem terra à vista. O poste permanecia erguido sobre as águas, misteriosamente.
Sem outra opção, ela desceu do poste e se pôs a andar sobre o mar, as águas molhando seus pés sem permitir que afundasse. Andou e andou por horas e horas, até chegar a uma ilha onde a areia era de um tom azul claro. Na praia dessa ilha havia um homem atrás de uma mesa, e sobre a mesa havia três taças.
-- Aqui está o seu destino. - disse o homem, quando a menina se aproximou - Escolha uma taça e beba.
Dentro de cada taça, havia um líquido colorido. Na primeira, o liquido era vermelho-vivo; na segunda, azul; e na terceira, amarelo. Após pensar um pouco, ela se sentiu mais atraída pela taça com líquido azul, e dela bebeu.
Quando a última gota tocou seus lábios, o chão sobre seus pés se abriu e ela caiu para dentro da terra, em um buraco imenso. Achou que já havia se passado um dia inteiro quando afinal a queda teve fim, e ela caiu sobre as águas de um lago. Afundou e voltou à superfície; foi nadando até a margem, e quando saiu da água e se pôs de pé, havia diante dela um grupo de pessoas, todas com a pele muito azul.
O líder do grupo, um homem muito alto e com a pele mais azul do que a dos outros, dirigiu-se a ela e lhe entregou um colar feito com pequenas esferas de metal. Ela o pegou, e as esferas se desprenderam e começaram a flutuar pelo ar, formando circulos. O homem azul disse:
-- Aqui nesse mundo está a verdade de todas as coisas. Mas para ficar aqui, você deverá abrir mão de seu chapéu. Caso contrário, voltará para o mundo de mentiras e ignorância de onde veio. O que você escolhe?
Ela colocou a mão sobre a cabeça, protegendo o chapéu. Era o seu preferido.
-- Prefiro o chapéu.
Mal as palavras foram ditas, e as esferas de metal caíram no chão, formando novamente um colar. No lago onde ela antes caíra formou-se um enorme redemoinho, que a sugou para o fundo. Em meio ao turbilhão de água e vento, ela achou que fosse se afogar. Mas afinal tudo cessou; ela estava novamente na rua, sentada sobre o poste, e lá embaixo estava o chão.
Satisfeita por tudo ter voltado ao normal, ela desceu do poste, ajeitou o chapéu e seguiu para casa.


SOBRE A HISTÓRIA

Conto baseado na palavra "azul", dada a mim por alguém que já não lembro e que estou agradecendo aqui anonimamente. Não tenho muito a dizer sobre a história porque ela fluiu por vontade própria, de forma quase subliminar, e quando a releio sinto como se outra pessoa a tivesse escrito. Os elementos aleatórios acabaram fazendo com que ela ficasse com um ar de sonho, mas achei muito bom assim. É também, de forma ainda mais sutil, uma crítica (mas sem condenação) à forma de pensar da sociedade atual - que prefere o chapéu à verdade de todas as coisas.