quarta-feira, 27 de agosto de 2008

[poesia #001] Lembranças

Poema criado em 01 de julho de 2005

LEMBRANÇAS

É engraçado como um sorriso pode machucar
E, às vezes, ficamos tristes sem motivo
Eu queria tanto...
Eu queria voar...
Eu quero lutar contra o frio mas estou no meio da tempestade
Ontem eu descobri que podia andar
Mas desisti no primeiro tombo
E papai (do céu) ficou triste
Não acredito em Deus mas rezo todo dia para a Mãezinha
Porque ela é bonita como minha mãe.
Mãe, isso faz tempo,
Mas ainda tenho medo do escuro.
(se Ele é por nós, quem será contra nós?)

Vovó falou dele e eu não entendi
Talvez por isso eu não vou pro céu porque, por que será? Eu tenho medo
Será que um dia...
(um pássaro pousou na janela mas não era verde e era bonito, tão bonito que colocaram ele numa gaiola de ouro e ele morreu e jogaram fora)
Hoje não.
E o sangue não é nada pra mim
O que importa o que está havendo se eu estou triste, tão triste
Que choveu quarenta dias e quarenta noites e Ele
(quem é Ele, meu Deus, me diz)
Lavou as ruas com o sangue e colocou minha alma de volta
Mas eu não queria voltar, eu juro
Me deixem, me deixem sair! Por favor...
Estou perdida num lugar que eu conheço
Uma gaiola tão pequena que eu nunca consegui encontrar o fim
E o céu não era céu
E não havia nuvens
E não havia lua
Nem sol
E nem estrelas
Pra onde a gente vai depois?
(Eu sei que é mentira, mas o que posso fazer?, eu acredito)
Como eu queria...
Ia ser mais fácil...
Se eu acreditasse, mas são tantas coisas e tanta gente e tantas verdades que ninguém pode estar certo, não, não pode, não é? Me diz

Por que você ficou quieto de repente?
Ele parou de falar com os outros, mas comigo ainda fala
E fala com mais alguém mas disso eu não sabia
Só fiquei sabendo depois
E tem mais, muito mais
Mas ninguém sabe e mesmo que soubessem não acreditariam
Porque ninguém mais vê o que eu vejo
E eu não vejo mas eu sinto
E sentir é melhor do que ver
Do mesmo jeito que eu sentia antes, mas eu não sabia
Que só eu sabia o que eu sei e é estranho, é muito estranho
Porque eles são adultos e eu não e eu sei muito mais do que todos eles juntos
E tem tantas coisas mais importantes do que isso mas eles não sabem, eles nunca vão saber
Por que eles não vêem
E é bonito e eles não sabem
Que ontem um anjo veio pra mim
E me abraçou e disse que me amava
E eu queria tanto...
Por que ninguém me ama? Por que eu amo tanto todo mundo e sem motivo?
Será que o problema é ele
Ou os outros...
Ou será que sou? Mas parece que foi ontem que eu voei pela primeira vez
É assim mesmo, você me disse
Fecha os olhos e durma, que passa...
Boa noite.

domingo, 10 de agosto de 2008

[conto #002] Memórias

MEMÓRIAS

Hoje minha casa cheira a mofo mas se eu tentar ainda posso sentir o cheiro dele, cheiro de colônia e suor e areia, ele sempre tinha um cheiro doce e salgado. E sexo, ele cheirava a sexo, emanava paixão por todos os poros. Eu gostava daquele cheiro.
Tudo o que resta de cor agora são os retratos desbotados na parede. A poeira cobrindo os móveis. Pra que tudo isso, meu deus? Ele dizia isso e ria porque não acreditava em Deus. Em um dia frio, ele levou nossa mesa de jantar para a praia e pôs fogo nela. Não precisamos de mesa pra comer. E nem podemos comer a mesa.
Mamãe dizia que ele não tinha futuro. E não tinha mesmo, mas eu gostava de seus cabelos compridos e dos seus olhos escuros e do jeito que ele tocava e ria e corria e gritava como se fosse louco, ou como uma criança no auge de suas forças. Eu gostava da força que vinha dele porque era viva, e quase me fazia ser viva também porque eu girava em torno dele, lenta dança de sol e terra.
Não há mais vida agora, apenas a luz pálida daqueles dias. Veio o diploma que hoje está empoeirado na parede, vieram o trabalho, as roupas, as reuniões. Tudo tão escuro mas parecia certo. E ele, tão feliz com suas roupas simples e suas cores e seu violão e seu cabelo comprido, o lado errado da minha vida.
Tomo mais um gole de vinho e me lembro de nós dois dançando em volta da mesa em chamas como numa festa de julho mas era outubro, não que realmente importasse. Não sei quanto tempo o fogo durou mas sei que já tínhamos feito amor mil vezes e ele continuava aceso, lento crepitar.
Ele me dava comida e sua casa e seu amor, mas minhas amigas tinham vestidos e perfumes e joias caras. Minhas amigas tinham noivos e grandes festas de casamento e bailes e festas. E ele não podia me dar isso.
Não sei quando foi que vim para esta casa, nem quando as coisas se cobriram de pó. Só sei que um dia ele se foi. Eu o mandei ir e ele foi, levando seu violão e seus olhos escuros. Foi porque me amava, e não podia me dar o que eu queria.
E eu tive, tive tudo, as joias, os vestidos, as festas, o marido. E tive essa casa e esses móveis e uma mesa de jantar, e nós não dançamos em volta dela. E a vida que eu tinha tomado de meu jovem amor foi indo embora, esvaindo-se, sublimando como gelo em direção ao céu. Restou só a casa, e as joias, e o pó.
Ele morreu há três dias.
Pouca coisa restou agora de mim. É quase como se eu fosse essa casa, grande, rica, cheia de móveis, mas tão vazia, tão cheia de pó.
O vinho evapora do copo. Eu assisto a ele ir embora, assim como você foi embora, assim como a vida foi embora. Até que não restará nada, em mim e em lugar algum.


SOBRE A HISTÓRIA

Tentei fazer esse conto baseado em outro, fantástico, cujo autor não me lembro. Não consegui. Apenas a ideia da história ficou parecida, mas o ambiente, o clima, e a emoção transmitida com a narração, não chegaram nem perto do que eu pretendia ou do original. Apesar disso, não ficou um conto tão ruim assim, por isso resolvi publicá-lo.